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Padre Cícero! E quem é ele? Por Íris Tavares

ByDudu Correia

mar 25, 2022

Por Íris Tavares

Historiadora e escritora

Na coluna O Verbo Feminino  no jornal Leia Sempre

O ponteiro do relógio marcou zero hora do dia 24 de março de 2022. Do solar de Cicinho e Leonete ouvíamos os fogos que riscavam o breu do céu no Largo do Socorro. O isolamento imposto pela pandemia do COVID-19, suspendeu nos últimos dois anos a festa de aniversário do Padre Cícero. A festa voltou. Evento singelo de iniciativa coletiva das afilhadas do Padre Cícero, depois veio uma rede de apoio com representações da sociedade civil organizada e o poder público para renderem homenagem a esse homem, que mesmo morto e sepultado encontra guarida entre os vivos.  São 178 anos a partir do seu nascimento que perenizam desejos que emergem da fé e dos sonhos de milhares de nordestinos e da nação romeira. O que faz o Padre Cícero ser tão especial?

Cícero nasceu no ano de 1844, cujo contexto religioso e social produziram importantes manifestações, citamos o expressivo movimento dos pregadores de várias denominações cristãs, havia brancos, negros, mulheres e crianças que pelo mundo proclamavam que Jesus estava para voltar, especialmente, os adventistas do sétimo dia acreditavam que aquele ano encerraria a profecia dos 2300 dias de Daniel 8:14. Importante lembrar da comoção social e política que uniu estudiosos e filósofos como Frederick Engels e Karl Marx que se encontraram em Paris para se tornarem parceiros numa luta revolucionária – “um relacionamento duradouro que iria mudar o mundo”. No Brasil estava em curso a Guerra dos Farrapos, mas voltemos para o Cariri, para perto daquele que mais tarde se tornaria o maior líder do Nordeste brasileiro.

Vamos imaginar o que poderia passar na mente e no coração desse jovem, nascido no seio de uma família simples, mas detentora de um pequeno comércio de onde foi extraído o custeio para seus estudos. Escolhera estudar no vizinho estado da Paraíba, mas foi interrompido pelas dificuldades da crise econômica que devorou a saúde e as economias do seu progenitor. O capitalismo não se ocupa de curar pobres e nem muito menos de enriquecer os trabalhadores. Dali em diante o seu sonho de torna-se clérigo foi custeado pelo seu padrinho, um coronel de muitas posses.

Carregava consigo a força e a mística próprias do seu habitat. A Chapada do Araripe foi sua trilha, o fértil oásis, o enclave no coração do Nordeste. O santuário da biodiversidade, das experiências místicas mais ricas, profundas e sensíveis que alimentavam um coração imerso na contemplação, nas visões e revelações que lhes afloravam.

O nosso expoente é um ser atemporal e continua acenando para uma multidão que não cansa de buscar a palavra de fé e de amor, que necessita de esperança e do exemplo de resistência mediante todas as formas de opressão e da violência social e política que ameaça cotidianamente as populações mais vulneráveis que resistem no semiárido.

Nessa madrugada os fogos e a banda de música com seus acordes de “parabéns para você”, nos transmitiram uma mensagem clara da forte conexão que persiste entre a comunidade e esse aniversariante ilustre e detentor de uma cosmovisão que o coloca no centro da trama da vida, com as ambiguidades e contradições pertinentes a complexidade própria dos humanos. Um líder que conseguiu dialogar com os diferentes grupos sociais que se deslocam dos seus longínquos rincões para prestar homenagem e reverencia-lo. São as comunidades indígenas, de terreiro, quilombolas com toda a diversidade dos povos que se sentem acolhidos por essa liturgia agregadora e enraizada no coletivo. Vida longa ao Padre Cícero.

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