• 12 de maio, 2024 06:24

Prefeituira sem prefeito de Patativa do Assaré continua bem atual

ByDudu Correia

mar 5, 2022

Antônio Gonçalves da Silva (1909-2002), mais conhecido por Patativa do Assaré, foi um poeta popular, compositor, cantor e repentista brasileiro. O cearense de Assaré teve sua obra registrada em folhetos de cordel, em discos e livros. Aos 16 anos, comprou sua primeira viola e começou a cantar de improviso. Com uma linguagem simples, porém poética, retratava a vida sofrida e árida do povo do sertão. Projetou-se com a música “Triste Partida” em 1964, uma toada de retirantes, gravada por Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Seus livros, traduzidos em vários idiomas, foram tema de estudos na Sorbonne, na cadeira de Literatura Popular Universal.

Seu trabalho se distingue pela marcante característica da oralidade. Seus poemas eram feitos e guardados na memória para depois serem recitados. Daí o impressionante poder de memória de Patativa, capaz de recitar qualquer um dos seus poemas, mesmo após os noventa anos de idade. Ele não retocava seus versos como os poetas de bancada costumam fazer; cada linha da poesia e rimas eclodia em sua cabeça como as plantas desabrochavam em seu roçado. O poema nascia inteiramente feito, harmônico, sem precisar de reparos.

O poeta Patativa do Assaré fez um dos maiores protestos políticos em poesia de cordel, quando criticou o abandono em que se encontrava a cidade de Assaré, na região do Cariri, no interior do Ceará, onde nasceu e viveu, sem nunca deixar de ser agricultor. Esta poesia cabe muito bem para os dias de hoje, em diversas cidades do Nordeste, bastando trocar o nome de Assaré pelo da sua cidade para alguém enxergar a situação em que vive.

PREFEITURA SEM PREFEITO

Nossa vida atroz e dura
Tudo pode acontecer,
Muito breve há de se ver
Prefeito sem prefeitura;
Vejo que alguém me censura
E não fica satisfeito,
Porém, eu ando sem jeito,
Sem esperança e sem fé,
Por ver no meu Assaré.
Prefeitura sem prefeito.

Por não ter literatura,
Nunca pude discernir
Se poderá existir
Prefeito sem prefeitura.
Porém, mesmo sem leitura,
Sem nenhum curso ter feito,
Eu conheço do direito
E sem lição de ninguém
Descobri onde é que tem
Prefeitura sem prefeito.

Ainda que alguém me diga
Que viu um mudo falando
E um elefante dançando
No lombo de uma formiga,
Não me causará intriga,
Escutarei com respeito,
Não mentiu este sujeito,
Muito mais barbaridade
É haver numa cidade
Prefeitura sem prefeito.

Não vou teimar com quem diz
Que viu ferro dá azeite,
Um avestruz dando leite
E pedra criar raiz,
Ema apanhar de perdiz
E um rio fora do leito,
Um aleijão sem defeito
E um morto declarar guerra,
Porque vejo em minha terra
Prefeitura sem prefeito.

Publicado no blog do Luiz Berto

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