Por Tarso Araújo, editor do Leia Sempre
A cantora e compositora Elza Soares nos deixou recentemente. A força de sua voz, de suas canções, das canções que ela gravou em variados e diversos estilos nos deixarão marcas e boas lembranças para toda a vida. Elza foi o símbolo de uma geração, amada por milhões de fãs no Brasil e mundo afora.
Mas um dos fatos da vida dessa grande artista brasileira foi quando ela teve que ultrapassar todos os limites que a vida pode impor a uma pessoa e o que uma pessoa pode fazer para superar esses limites.
E em uma situação de limite surge uma das mais belas histórias da música e do Brasil mesmo.
Elza Soares precisava urgentemente de dinheiro e remédios para cuidar de seus filhos. Tinha ficado viúva com 21 anos e tinha tido uma filha sequestrada. Filha que ela só veio a ver 30 anos depois. Vivia na fome e na miséria e tinha o sonho de ser cantora. Se inscreveu em um concurso. Foi com uma roupa pobre, com cabelo preso numa maria chiquinha e com muita coragem, além de sua voz impecável.
O mestre Ary Barroso tentou ridicularizar Elza Soares e lhe perguntou de que planeta era vinha e a resposta da futura grande Elza Soares entra para a história: Do mesmo planeta que o senhor, Seu Ary. Do planeta fome.”
Elza ganhou o concurso e o resto é história.
Quando Elza Soares disse essa frase ela vivia sim no planeta fome, ela, e milhões de brasileiros e brasileiras. De lá para cá os governos que se sucederam pouco ou quase nenhuma atenção deram a questão da fome que atinge milhões de brasileiros. Podemos dizer que nos governos progressistas algumas ações concretas foram feitas, como nos governos de Lula e Dilma Rousseff, para em seguida essas ações serem totalmente anuladas por políticas econômicas de fome, desemprego e miséria.
Elza Soares faleceu gritando, falando, questionado as mesmas injustiças que ela tanto viveu, até mesmo como cantora famosa e por ser negra tanto sofreu senão com a fome, mas com o preconceito.
E contra a fome e o preconceito por ser mulher e negra, Elza Soares tanto combateu, gravou canções, escreveu e disse em entrevistas frases cortantes, importantes e significativas.
A fome no Brasil nunca acabou por completo. O planeta fome ainda aterroriza milhões de brasileiros que estão cotidianamente vivendo o drama humanitário de não ter o que comer.
Enquanto isso, nosso país e nós mesmos mergulhamos em pseudos dramas e debates infrutíferos que não nos leva ao caminho correto de construir uma sociedade e um Brasil sem injustiças, sem o fosso da desigualdade social e sem o desemprego e a fome a ameaçar milhões de pessoas todos os dias.
Tente ficar com fome. Tente não comer. Ou tente ficar dois dias sem beber água. Tente não comer mesmo você sabendo que pode. Poucas vezes as pessoas que tem o que comer conseguem vislumbrar o que é passar fome. A fome dilacera a alma, destrói o ser humano e o transforma quase em um animal.
As causas da fome no Brasil nada tem a ver com clima, seca, enchentes ou qualquer coisa que o valha. A fome no Brasil é um projeto de sua classe dominante. O fracasso das políticas sociais no Brasil são o resultado de uma classe dominante que tem horror à distribuição de renda e que luta com todos os seus meios, incluindo apoios da mídia corporativa para impedir que a sociedade brasileira avance em seu processo civilizatório de erradicar a fome, pobreza, miséria e o desemprego.
No Brasil a fome é um projeto de uma elite em que 10 por cento da população detém quase toda a renda nacional. E todos os governos progressistas que pensem ou qualquer político ou liderança nacional que de forma efetiva tiverem entre suas propostas o combate à fome e a desigualdade social e de renda são combatidos pelo aparelho estatal brasileiro.
Não se trata de teorias da conspiração. No Brasil, é elegante e racional ser liberal, conservador, ter horror à distribuição de renda e programas sociais como o Bolsa Família; O bom é a diminuição do estado para milhões e a alocação de verbas de bilhões para os rentistas, as elites econômicas e financeiras.
Quando Elza Soares falou que vivia no Planeta Fome ela bem que acertou. Lutou sua vida inteira para que outras famílias e mulheres e crianças não vivessem o que ela teve que passar. Mas faleceu nos deixando o legado de sua arte, voz e música, e, ao mesmo tempo, o legado da luta contra a fome.
Que a gente em 2022 possa honrar essa luta de Elza Soares e dizer que mesmo ainda vivemos no Planeta Fome vamos intensamente lutar contra esse flagelo que destrói a vida de milhões de brasileiros.
