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A compaixão dos inúteis. Por Marcos Leonel

ByTarso Araújo

jan 4, 2022

Por Marcos Leonel, colunista do Leia Sempre

O ódio que permeia a sociedade brasileira não foi inventado, foi cultivado em laboratório e empoderado como uma arma química. A escatologia que ergue esses muros de exclusão exterminadora pontua as pautas de uma convivência inconveniente, capaz de procriar o niilismo pós-moderno que habita os seres mais tóxicos que perambulam entre os escombros da moral e da ética. Eis o passado que volta em forma de farsa. Em 1912, o poeta Augusto dos Anjos já denunciava o emporcalhamento da realidade disfarçada, cravando um punhal ardiloso na empáfia social, que prega o êxtase religioso e o carisma divino, sem acreditar em absolutamente nada, muito menos na menor possibilidade de reconhecer a condição existencial do outro. “A mão que afaga é a mesma que apedreja”, disse o poeta.

O meme digital: já “meteu um atestado” para não trabalhar na segunda, dia 03, primeiro dia útil do ano, em referência capciosa ao internamento às pressas do mandatário, é uma pedra que apedreja cultivada na aridez da distopia, onde só restam restos. A ironia mordaz dos fatos revela o aviso profético: “Acostuma-te à lama que te espera!”, uma vez que aquele que desgoverna em família, a única que tem um vereador federal, distribuiu a lama da vergonha nacional ao desdenhar a calamidade pública na Bahia e em Minas Gerais, negando auxílio e esbanjando a morbidez inconcebível, enquanto administração pública, enquanto a morte espreita atocaiada nas chuvas, moendo vítimas em um projeto ideológico de extermínio. O tragicômico da escatologia política brasileira é que as férias do impostor foram interrompidas por fezes por fazer.

Há um escárnio crônico sambando na cara do povo brasileiro: se por um lado o maior estelionatário político da história do Brasil sabota o socorro às vítimas de uma catástrofe coletiva, por outro lado ele reivindica de forma ilegítima e individual, o poder do Estado para socorrê-lo, mandando um avião só para buscar o seu cirurgião particular que estava em férias nas Bahamas, um conhecido paraíso fiscal. Só quem não entra de férias é o sofrimento do autêntico povo brasileiro, o verdadeiro dono desse paraíso tropical. Eis a escatologia em verde e amarelo: enquanto a maioria da população não sabe como sair da merda, o inominável tem uma super equipe de especialistas para tirar a merda que se acumula em seu íntimo. Como diria o poeta a esse povo, em seus Versos íntimos: “Vês! Ninguém assistiu ao formidável enterro de tua última quimera. Somente a ingratidão – esta pantera – foi tua companheira inseparável.”.

A família Bolsonaro não tem a menor chance com a filosofia, nunca saberá quem é Augusto dos Anjos, mas a sua reserva de iniquidades é repleta de niilismo, chucro, é bem verdade. O gabinete do ódio não está sabendo o que fazer com a dialética das infovias, não imaginava que as redes sociais têm mãos que afagam e apedrejam, nem pouco entenderão que o materialismo histórico das nuvens digitais não mede consequências enquanto mercado das trocas simbólicas. Nem sempre o capital social pescado na rede mundial de computadores é espúrio, mas sempre será efêmero em seu controle. A raiva ignorante de Carlos Bolsonaro a partir da acidez dos comentários sobre a vagabundagem do seu pai, mesmo em caso de emergência de saúde, jamais será inversamente proporcional ao abandono macabro dos desalentados. É impossível cobrar beijos enquanto só se oferece escarro.

Nem mesmo um fósforo aceso de um poeta estupendamente universal será capaz de iluminar a escuridão da família Bolsonaro. Nem mesmo a maior resignação da maior pena será capaz de apagar essa chaga posta em lama. A situação existencial do clã en passant é deplorável. A práxis da mentira constante e da fermentação do ódio, cancela o CPF de qualquer consternação popular, escrito em linguagem miliciana e lido em anarquia Felliniana. A hediondez comportamental proporcionou uma espécie de dívida da dúvida, depois de tanta postura sebosa de Bolsonaro, grande parte da opinião pública não acredita na angústia hospitalar, não sabe ao certo se é fato ou se é farsa. Essa é a história grotesca de quando a família Bolsonaro transformou a compaixão em coisa inútil. Como disse o poeta: “O homem, que nesta terra miserável, mora, entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera.”.

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