• 18 de maio, 2024 08:39

A pandêmica violência contra a mulher. Por Íris Tavares Kariri

ByTarso Araújo

ago 13, 2021 #Cariri

Íris Tavares Kariri – Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Ceará. Coordenadora do Projeto Paulo Freire.

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A peste foi pintada desde a antiguidade como um sinal da maldição e do castigo. A desobediência de uma mulher poderia não ser nada, apenas um pretexto para o macho exercer no ambiente doméstico o bélico na dominação de um gênero sobre o outro. As figuras femininas detentoras dos saberes ancestrais foram transformadas em bruxas, impuseram-lhes vassouras voadoras e poderes mágicos. Depois cerraram o portão do castelo, enquanto o rei, o senhor, marcharam para a luta campal no extermínio das mulheres. Foram estupradas, mutiladas, enforcadas e queimadas vivas. Vassouras e feitiços como as sementes do medievo serviram como laboratório para sucessivas guerras aprimoradas nos dias atuais. O fantasma da mentira surgiu dessas guerras. O tetravô da facnews foi sofisticado e aprimorado como um instrumento ideológico que serve a violência política e de gênero. As vozes sufocadas das mulheres tem ressoado desde o hemisfério sul ao norte. A grande trincheira.

A propagação da versão derivada do imaginário difundido e alardeado na sociedade medieval, é um resquício cruel que permanece vivo e alimenta a engenhosa estrutura do patriarcado. Nesse velho sistema reprodutor do capitalismo as mulheres são as mais atingidas pela escravidão. Mulheres negras, brancas e LGBTQI+ são expostas como parte dessa estatística sangrenta que desafia o pensamento contemporâneo a buscar respostas e resoluções para barrar tamanha barbárie contra a vida e o gênero. Está claro que nessa caminhada a sociedade se depara com a existência forte da tendência de naturalização dessa violência. Por que será?

Segundo o Atlas da Violência 2020 – Principais resultados, no Brasil em 2018, 4.519 mulheres foram assassinadas. A cada 2h, uma mulher é morta, a cada 6h23, uma mulher é morta dentro de casa. Os dados também apontam que 69,4% dos incidentes no cenário de rua são homens e 45,1% são mulheres, sendo assim o percentual de mulheres que sofrem a violência dentro da residência é 2,7 maior do que o de homens, isso reflete a dimensão acentuada da violência de gênero e do feminicídio em curso. É uma guerra ou não?

A caça às bruxas continua, especialmente, no nordeste brasileiro mesmo considerando a capacidade de superação das filhas dos povos do semiárido e demais biomas, essas mulheres se juntaram com as demais pessoas para salvarem o Brasil da última catástrofe eleitoral, como foi registrado a sábia e oportuna observação da colunista Alicia Klein no portal UOL. Fosse o nordeste independente certamente não haveria o trono da assombração e nem do culto ao negacionismo.

Contudo a brutalidade do atual governo e seus asseclas dificultam a construção e a permanência do diálogo em torno das políticas públicas numa perspectiva da interseccionalidade, vez que se trata de um fenômeno social, cuja a realidade apresenta dimensões bastante complexas.

No governo Lula seguido por Dilma, o executivo federal e o congresso nacional deram passos importantes e significativos no acolhimento das demandas acumuladas pelo movimento de mulheres, direitos humanos entre outros e avançou nas proposituras, conjunto de Leis voltadas ao combate da violência contra a mulher. A Lei Maria da Penha é um exemplo disso e representa o esforço dialógico na construção de uma Lei que seja de fato eficiente e legitima na sua aplicação, porém a Lei por si só não alcança seu objetivo final, em especial, quando a natureza da intervenção requer um exercício constante na formação e educação da sociedade que se prepara para romper com dissidentes opiniões, comportamentos e atitudes arraigadas em velhos paradigmas responsáveis pelo sofrimento e a violência contra a mulher.  É um desafio que o estado e a sociedade precisam encarar. Os governos municipais têm um papel preponderante junto a população impactada pela violência. Precisa de vigilância, escuta e prioridade no atendimento da mesma forma que precisa abrir o orçamento para custear as ações preventivas, mediadoras e transformadoras. Não ter recurso para tratar de questões desagregadoras, geradoras de desigualdades e violências urge uma mudança radical e inversão de prioridades no orçamento. O gestor ou gestora pode ser desmascarado pela sua insensibilidade, pela sua ignorância e descompromisso com os setores de maior vulnerabilidade. Que bom seria os governantes entenderem que essa selvageria tem origem externa, cuja promoção vem da sociedade do espetáculo que avança destruindo qualquer traço de solidariedade e civilidade entre os humanos. Essa é uma matéria de muita importância para quem pensa uma urbe acolhedora, criativa, amorosa com seus filhos e filhas. É fato que a violência tem forte impacto nas economias local e nacional. Tem dois exercícios bem básicos que poderíamos fazer. Vou desafia-los. Que tal fazer um mapeamento no legislativo do seu município e verificar quantas Leis existem e como tem sido a sua aplicabilidade?  Observe se o tema da violência tem repercussão na agenda do legislativo como a realização de audiências, debates, pesquisas, estudo e diagnóstico. Vamos começar por aí? Não seremos cumplices dessa matança em que escolheram as mulheres para matar.

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