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Os jornais e os operários, por Antonio Gramsci

ByTarso Araújo

out 8, 2021

TRIBUNA SINDICAL

Os jornais e os operários, por Antonio Gramsci

Texto abaixo foi escrito em 1916 por Antonio Gramsci, líder socialista italiano que militou no PCI (Partido Comunista Italiano) tendo inclusive sido eleito deputado no ano de 1924. Gramsci nesse texto fala como se fosse hoje (mantendo todos os detalhes e já nos levam mais de 100 anos) quando ele escreveu que os próprios trabalhadores deviam apoiar a imprensa operária e boicotar a imprensa dos patrões. Esse texto foi publicado no jornal Avanti!.

 

É a época da publicidade para as assinaturas. Os diretores e os administradores dos jornais burgueses arrumam as suas vitrines, passam uma mão de tinta na tabuleta e chamam a atenção do passante (isto é, do leitor) para a sua mercadoria. A mercadoria é aquela folha de quatro ou seis páginas que todas as manhãs ou todas as tardes vai injetar no espírito do leitor a maneira de sentir e de julgar os fatos da atualidade política que mais convém aos produtores e vendedores de papel impresso.

Iremos tentar discorrer, para os operários especialmente, sobre a importância e a gravidade daquele ato aparentemente tão inocente que consiste em escolher o jornal que se pretende assinar. É uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão.

Antes de tudo, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja a sua tinta) é um instrumento de luta movido por ideias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma ideia: servir à classe dominante, o que se traduz num fato: combater a classe trabalhadora. E, realmente, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação.

Mas o pior reside nisto: em vez de pedir dinheiro à classe burguesa para subvencionar a obra de defesa feita em seu favor, o jornal burguês consegue fazer-se pagar pela própria classe trabalhadora que ele combate sempre. E a classe trabalhadora paga, pontualmente, generosamente.

Centenas de milhares de operários contribuem regularmente todos os dias com seu dinheiro para o jornal burguês, aumentando a sua potência. Por quê? Se perguntarem ao primeiro operário que encontrarem no bonde ou na rua, com a folha burguesa desdobrada à sua frente, ouvirão esta resposta: “porque preciso saber o que há de novo”. E nem sequer lhe passa pela cabeça que as notícias e os ingredientes com as quais são cozinhadas podem ser apresentados de uma forma que dirija o seu pensamento e influa no seu espírito num determinado sentido. E, no entanto, ele sabe que tal jornal é conservador, que o outro é interesseiro, que o terceiro, o quarto e o quinto estão ligados a grupos políticos que têm interesses diametralmente opostos aos seus.

Todos os dias, pois, ocorre a este mesmo operário a possibilidade de constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe operária. Estoura uma greve? Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há manifestação? Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre os desordeiros, os partidários, os vândalos. O governo aprova uma lei? É sempre boa, útil e justa, ainda que seja o oposto. Desenvolve-se uma campanha eleitoral, política ou administrativa? Os melhores candidatos e programas são sempre os dos partidos burgueses.

E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou omite ou distorce ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. Apesar disto, a aquiescência culposa do operário em relação ao jornal burguês não tem limites. É preciso reagir contra ela e despertar o operário para a exata avaliação da realidade. É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente na mão do jornaleiro é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária.

Se os operários se convencessem desta elementaríssima verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma disciplina com que a burguesia boicota os jornais dos operários, isto é, a imprensa socialista. Não contribuam com dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária: eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pelas campanhas de assinaturas feitas por todos os jornais burgueses. Boicotem, boicotem, boicotem!

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