• 18 de maio, 2024 08:22

O encontro de Lula com a cultura e os movimentos sociais. Por Íris Tavares

ByTarso Araújo

ago 27, 2021

 

Depois de uma longa jornada atravessando o coração do nordeste brasileiro, Lula trás no seu alforje a cartografia da alma dos insurretos. Acenos, palavras e sentimentos desde Pernambuco, Piauí, Maranhão até sua chegada no Ceará. Por onde passou pode escutar ecos dos gritos Zumbi dos Palmares e Dandara. Vislumbrou as pegadas da maior procissão dos pobres e molambudos relegados ao revés do destino, a grande travessia a partir do sertão cearense com Antônio Conselheiro que mais tarde fundaria a comunidade de Canudos. O último respiro de luta e resistência à Republica que foi imposta abatendo e matando os corpos sedentos de justiça e ávidos por dignidade. Essa é a terra da revoltação.

Também dos mares bravios do dragão negro que surgiu na terra da luz, guerreiro do mar e da terra na luta pela libertação dos escravos em plagas alencarinas.

Reis e rainhas do Maracatu benzeram aquele que é o filho de dona Lidu. Telma de Iemanjá trouxe o reflexo da face de Lula no espelho d´água perene, imagem e semblante daquela mulher simples e sofrida, tão querida e com tanta sabedoria. Meu filho vou te fazer um pedido nunca se esqueça de onde você veio.

É uma constelação que une os encantados e os brincantes. Iracema com seus lábios de mel, filha da floresta vive em cacique Pequena da etnia Jenipapo-Kanindé, ninho da ancestralidade. Os tambores, pífanos e os sons das matas, cachoeiras e cavernas, a primeira moradia daqueles que estiveram aqui antes de nós. Vieram todos para esse encontro. É o mesmo berço do Padre Cícero, Patativa do Assaré, Luís Gonzaga, Bárbara de Alencar, beata Maria de Araújo, beato José Lourenço da Santa Cruz do Caldeirão. Imponente a verde cortina da chapada do Araripe derrama-se no semiárido onde a vida brota com obstinada resiliência dos povos e seres da natureza numa incansável busca pela florestania. A mestra Tiê declara no seu canto “eu vi foi a revolta da aliança liberá”. Ednardo traz o canto do Pavão Misterioso e um pedido ao filho de Dona Lidu. “Derrama essa faísca/ despeja esse trovão/ desmancha isso tudo/ que não é certo não.” E no aboio da rainha dos vaqueiros Dona Dina, a voz forte e feminina de rara beleza. “Oh! Oh! Oh! minha arma é o aboio e minha coragem é mulher”.

Neste palco da ciranda Camilo se manteve firme ao lado de Lula. São dois filhos do sol de corações candentes, untados na roda de conversa e no círculo de cultura desenhado pelos movimentos sociais. Um breve parêntese sobre o desejo que virou manchete. Vamos conquistar cada vez mais o coração de Camilo. Havia expectativas nos olhares, nos gestos coletivos na busca de ampliar as liberdades, na perspectiva de inversão da pirâmide social e dos mecanismos justos de distribuição das riquezas. Lula parecia debulhar-se na algazarra das crianças ao mergulharem no rio que banha a comunidade. No seu colo depositaram alimentos limpos oriundos dos roçados e quintais da agricultura familiar. No paladar o sabor do alimento feito com emoção pela generosidade de quem cultive e colhe a vida. Depois veio suas declarações de aprendizado sobre o caminho que se faz caminhando. “Fizemos muito, mas poderíamos ter feito muito mais”. Estamos no meio de uma crise civilizatória, da desumanização da política, das ameaças a democracia e a guerra declarada e devastadora dos sonhos, das nossas utopias, do genocídio e do ecocídio. Por que tanto ódio? Plantemos a empatia. A dialógica e a pedagogia do cuidado são caminhos apontados pelo mestre Paulo Freire, que foi incansável no seu papel de educador nos últimos cem anos. O que nos falta? A estagnação e a desconstrução de princípios norteadores da política pública, contribuiu para proliferar o ambiente da pandemia com mais de meio milhão de mortos pela COVID19 no Brasil. Desemprego e fome são os fantasmas patrocinados pelo neoliberalismo na sua fase agonizante.

O poeta Patativa nos adverte que o Brasil de cima quer engolir o Brasil de baixo, nos ensina que a saída é por baixo, assim como foi a derrubada do boi zebu pelas formigas, de baixo para cima. A cria coletiva tem nome é o filho do formigueiro. É o rebento desta constelação de insurretos. É Lula!

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