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O negacionismo dos poderosos é uma farsa .Por Moisés Mendes

ByTarso Araújo

maio 30, 2024

Por Moisés Mendes*, em seu Blog

Grandes empresários, articulados com os coronéis de Bolsonaro, organizaram-se para propagar os milagres da cloroquina logo no início da pandemia, em 2020. Eles eram mesmo negacionistas da ciência, da vacina e das medidas restritivas de combate à pandemia?

Esses mesmos empresários, articulados com os mesmos coronéis, formaram facções – investigadas e denunciadas ao Ministério Público pela CPI da Covid – para comprar vacinas. Os mesmos negacionistas renegavam o negacionismo?

Esses grupos, que agiam fora e dentro do governo em estruturas paralelas do Ministério da Saúde, eram formados por figuras exemplares do negacionismo? É natural que agissem a serviço da farsa milagreira e cloroquinista de Bolsonaro, enquanto tentavam negociar vacinas com o governo ou para suas empresas, suas famílias e, dizem eles, para os empregados?

Seriam negacionistas as grandes incorporadoras imobiliárias que mobilizam políticos com e sem mandato para sabotar e revogar legislações de ocupação do solo nas cidades? São negacionistas os que impõem o poder econômico contra códigos urbanos consagrados pelo bom senso?

São negacionistas os grileiros, fazendeiros, desmatadores e similares, que compartilham com garimpeiros – e agora com traficantes – a destruição da Amazônia e a matança de yanomamis e de bichos da floresta?

Seriam negacionistas os devastadores do Cerrado? Os destruidores de rios e do que resta de Mata Atlântica? Há negacionistas nos gabinetes do sistema financeiro que explora o garimpo ilegal na Amazônia? Encontram-se negacionistas na Faria Lima?

Seriam negacionistas as estruturas do Congresso e do governo mobilizadas pela extrema direita, para que as porteiras fossem abertas às boiadas de fabricantes de venenos, que eles ainda chamam de defensivos agrícolas? Quantos negacionistas há no centrão?

Onde estariam os negacionistas entre os que apoiaram a iniciativa de Eduardo Leite, no governo e na Assembleia, que acabou por desmontar toda a legislação ambiental do Rio Grande Sul? Eduardo Leite é negacionista por sabotar o Estado que governa?

O prefeito Sebastião Melo, que destruiu todo o sistema de proteção de Porto Alegre contra as cheias, é negacionista? Os vereadores que o apoiam com maioria na Câmara de Porto Alegre pregam negacionismo?

Caçadores de negacionistas com certeza vão encontrá-los entre pais e mães que se negam a vacinar os filhos contra a poliomielite. Entre os tios do zap que frequentam simpósios sobre a Terra plana. Em grupos de tias que duvidam da ciência que possa atentar contra suas crenças religiosas.

Procurem e encontrem negacionistas entre os 11 milhões de brasileiros que não tomaram nenhuma dose da vacina contra a Covid. De todos os não protegidos, a maior faixa é de crianças de até 11 anos. Elas são 22% dos que não se vacinaram. Os pais delas são negacionistas.

Procurem e encontrem negacionistas nesses grupos que levam a sério o que os falsos líderes negacionistas pregam, mesmo que não acreditem no que dizem. Porque é preciso disseminar realidades paralelas criadas pelo lucrativo marketing do negacionismo.

Os que procuram negacionistas deveriam tentar entender como Bolsonaro, declarado líder dos negacionistas, viu a decisão da então primeira-dama Michelle de se vacinar, mas nos Estados Unidos. Bolsonaro é o chefe do negacionismo e Michelle, líder religiosa de segmentos refratários à vacina e à ciência, não é?

Algum doutor de todas as ciências de Harvard, que prega contra os efeitos do homem na desordem climática, seria o verdadeiro negacionista? Ou é um espertalhão com altos títulos acadêmicos à procura de vitrine, fama e dinheiro no mundo dos que dizem duvidar de quase tudo?

Como identificar um negacionista autêntico? Com que régua se mede um negacionista? Há negacionistas moderados e radicais, como dizem que existem bolsonaristas liberais?

Há negacionistas que acreditam na Terra plana, mas também admitem que o homem provoca as tragédias climáticas? Um negacionista racista pode negar o Holocausto, mas aceitar que o homem foi à Lula? Um negacionista religioso pode ver Deus acima de tudo, desde que seja o Deus que protege seus negócios?

O negacionismo é um grande comércio avalizado até por observadores de esquerda. Segundo essa percepção preguiçosa e enviesada, todo criminoso que atenta contra a ciência, a História e o ambiente em que ele mesmo vive seria hoje um negacionista.

Mas não há negação entre os que agem com ações deliberadas de destruição de inteligências, conhecimentos e experiências. Eles sabem o que estão fazendo e os danos que provocam.

Não há negação. Há afirmação de uma certeza: a destruição será gerenciada, como foi até agora. E os dilemas que virão depois ficarão a cargo das próximas gerações.

Todos os negacionistas citados como criminosos pela CPI da Covid estão impunes. Também estão impunes os garimpeiros. Os desmatadores. Os grileiros. Os assassinos de yanomamis. Os homens que pedem e ganham juro alto de Campos Neto, enquanto pagam bandidos para fuçar em rios em busca de ouro. Gente fina que convive com gente bacana da Fiesp.

Eles não são negacionistas. Assim como golpistas não são negacionistas que negam os valores da democracia. São golpistas. Não são negacionistas. Eles conhecem e temem os valores da democracia. Por isso querem destruí-la.

O farsante negacionista da ciência é quase sempre o mesmo negacionista da História. Mas o desconforto com a realidade não explica o seu negacionismo de falsário. Nem a subjetividade e a alienação servem de explicação.

É a objetividade dos seus interesses destrutivos que manda. Não são negacionistas. Não agem pela negação, mas pela imposição. Como agiram os ‘negacionistas’ da pandemia, todos eles impunes. E como talvez fiquem impunes os ‘negacionistas’ da tragédia que destrói o Rio Grande do Sul.

*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).

Imagem: Lauro Alves | Secom

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